Hoje trago uma história fictícia, em jeito de caricatura e, portanto, um pouco exagerada (ou talvez não, deixo à vossa consideração) de forma a explicar as diferenças entre as competências técnicas e emocionais no desempenho profissional em Medicina Dentária.
Apresento-vos dois médicos dentistas, um com elevado QI e baixo QE – o Dr. José, e o outro com um QI mais baixo mas com um elevado QE – o Dr. António. Consideremos então o Dr. José, que teve um percurso académico irrepreensível, destacou-se na Universidade e, quando terminou o curso, recebeu várias propostas de trabalho, em clínicas conceituadas, e começou a trabalhar. Entretanto casou e teve dois filhos. No trabalho o Dr. José é tecnicamente excelente, o que lhe traz um bom retorno financeiro. No entanto, ao longo do tempo, demonstrou uma série de dificuldades. Não cria relações empáticas com os pacientes, sendo muitas vezes apelidado de desumano; estabelece uma comunicação agressiva e manipuladora com os colegas de trabalho e trata de forma inadequada as suas assistentes em frente aos pacientes; reage de forma disfuncional ao stress e às dificuldades que surgem ao longo do dia de trabalho, cancela consultas, atira instrumentos ao chão; não consegue gerir de forma eficaz os tempos de tratamento e não segue protocolos indicados pelas clínicas, acha que sabe mais e que da sua forma é que está bem. Acaba por trabalhar muitas horas por dia, a maioria das vezes devido aos atrasos nas consultas, e leva para casa todas as emoções do dia de trabalho. Geralmente não presta atenção à mulher e aos filhos, perde a paciência com facilidade, grita e exige distanciamento da família, quer que o deixem em paz: “trabalhou muito, tem direito a descansar”. É viciado em séries e filmes como forma de escape e, quando dá conta, as horas passaram e dorme 4 a 5 horas por noite. Ao acordar questiona-se com frequência sobre o sentido da vida e tem vontade de fugir e começar do zero noutro lugar, com outra profissão.
Convido-vos agora a conhecer a história do Dr. António. Foi presidente da associação de estudantes, terminou as cadeiras na faculdade com notas medianas, estabeleceu inúmeras relações ao longo do percurso académico, teve uma vida social bastante ativa. O seu forte é a capacidade de ler as outras pessoas, entender as emoções dos outros e estabelecer uma comunicação cativante e saudável. Quando ingressou no mundo profissional, o Dr. António não teve ofertas de trabalho, viu-se perante o desafio de entregar CVs em dezenas de clínicas e conseguiu trabalho através da sua postura humilde e comunicação persuasiva. Ao longo do tempo fez várias formações para conseguir estar ao nível do que era exigido nas clínicas onde trabalhava e era admirado pelos colegas e pacientes. Desenvolveu um pensamento crítico, é capaz de tomar decisões, gere bem o stresse e os conflitos no local de trabalho. Apesar de considerar que tem ainda muito para aprender para chegar a um patamar de excelência na especialidade que escolheu, sente-se satisfeito com a carreira que está a construir e faz questão de ter hobbies e passar tempo de qualidade em família, mesmo que isso represente trabalhar menos horas por semana. O que ele aprendeu com a experiência é que trabalhar menos horas, mas fazendo uma gestão inteligente das consultas e dos tratamentos lhe permite ter um maior retorno financeiro.
No contexto da Medicina Dentária, a história fictícia do Dr. José e do Dr. António destaca a importância do Quociente Emocional (QE) como fator preponderante para o sucesso ao longo da vida profissional. Enquanto o Dr. José, dotado de um elevado Quociente de Inteligência (QI), brilha em termos técnicos, revela-se deficitário nas competências emocionais, o que dá origem a relações profissionais e pessoais disfuncionais. Por outro lado, o Dr. António, com um QE elevado, mostra que a empatia, a comunicação saudável e a capacidade de gerir o stress e lidar com desafios são cruciais para construir uma carreira sólida e gratificante na nossa área profissional. A habilidade de entender as emoções dos pacientes e colegas, tomar decisões ponderadas e manter um equilíbrio entre vida profissional e pessoal emerge como um diferencial significativo. Assim, ao refletir sobre as experiências dos profissionais de saúde oral, é inegável que o sucesso vai além das competências técnicas, sendo moldado pela inteligência emocional e todas as competências a elas associadas.
Termino com uma sugestão: devemos começar a olhar para a formação em competências sociais e comportamentais como essencial e diferenciadora. Tal como a formação para o desenvolvimento de competências técnicas, a formação em inteligência emocional e soft skills permite-nos crescer enquanto profissionais e agrega um enorme valor ao serviço que prestamos aos nossos pacientes. Este é o caminho para a realização profissional.